26.10.13

manifesto queer nation [parte iii]

parte 3 de 4 da tradução de um texto originalmente posto a circular entre pessoas que marchavam com o contingente ACT UP da marcha do orgulho gay de Nova Iorque, em Junho de 1990. autoria(s) anónima(s). texto original aqui & mais sobre a ACT UP aqui.





6. Onde Estão Vocês, Irmãs?

A Invisibilidade é Responsabilidade Nossa

Uso o meu triângulo rosa em todo o lado. Não baixo a voz em público quando falo sobre amor ou sexo lésbico. Digo sempre às pessoas que sou lésbica. Não quero esperar que me perguntem sobre “o meu namorado”. Não digo que “ninguém tem nada a ver com isso”.

Não o faço pelas pessoas hetero. A maioria nem sequer sabe o que é que o triângulo rosa significa. Faço o que faço porque não quero que as lésbicas assumam que sou uma rapariga hetero. Estou fora do armário sempre e em todo o lado porque quero chegar até ti. Talvez repares em mim, talvez comecemos a falar, talvez nos tornemos amigas. Talvez não digamos nem uma palavra mas os nossos olhos vão encontrar-se e eu vou imaginar-te nua, a suar, de boca aberta, de costas arqueadas enquanto eu te fodo. E ficaremos felizes por sabermos que não somos as únicas no mundo. Ficaremos felizes por nos termos encontrado uma à outra, sem dizer uma palavra, talvez apenas por um momento.

Tu não usas o triângulo rosa nessa lapela de linho. Não confrontas o meu olhar se eu me fizer a ti na rua. Evitas-me no trabalho porque sou “demasiado” assumida. Reprimes-me nos bares porque sou “demasiado política”. Ignoras-me em público porque chamo “demasiada atenção” ao “meu” lesbianismo. Mas depois queres que eu seja tua amante, queres que seja tua amiga, queres que te ame, que te apoie, que lute pelo “nosso” direito a existir.

Onde Estás?

Vocês falam, falam, falam sobre a invisibilidade e depois retiram-se para as vossas casas para se aninharem com as vossas amantes ou vão para a farra com as vossas amigas e tropeçam até casa num táxi ou sentam-se silenciosa e cortesmente enquanto as vossas famílias, *s voss*s chefes, *s voss*s vizinho e *s funcionári*s públic*s nos distorcem e disfiguram, nos escarnecem e punem. Depois, casa outra vez, e apetece-vos gritar. Então acolchoam a vossa raiva com uma relação ou uma carreira ou uma festa com outras fufas como vocês e ainda assim perguntam-se porque é que não nos conseguimos encontrar umas às outras e porque é que vocês se sentem sós, zangadas, alienadas.

Levantem-se, Acordem, Irmãs!!

A tua vida está nas tuas mãos.

Quando arrisco tudo ao assumir-me, arrisco-o por ambas. Quando arrisco tudo e funciona (e funciona frequentemente, devias tentar), eu beneficio e tu também. Quando não funciona, eu sofro e tu não.

Mas miúda, não podes ficar à espera que outras fufas tornem o mundo seguro para ti. Pára de esperar por um mundo melhor e mais lésbico! A revolução podia ser hoje, se nós a começássemos.Onde estão, irmãs? Estou a tentar encontrar-vos, estou a tentar encontrar-vos. Porque é que só vos vejo no dia da marcha do orgulho?

Nós estamos fora do armário. Onde que raio estão vocês?

7. [Sem-título]

Quando alguém te ataca por seres queer, é um ataque anti-queer. Certo?

Um grupo de 50 pessoas sai de um bar gay conforme ele fecha. Do outro lado da rua, alguns rapazes hetero estão a gritar “Paneleiros!” e a atirar garrafas de cerveja ao grupo, que é maior que eles numa proporção de 10 para 1. Três queers começam a reagir, sem qualquer apoio por parte do grupo. Porque é que um grupo deste tamanho se permitiu ser um alvo fácil?

Parque da praça Tompkins, Dia do Trabalhador. Num concerto/espectáculo de drag anual ao ar vivo, um grupo de homens gays foram assediados por adolescentes com paus. No meio de milhares de homens gays e lésbicas, estes rapazes hetero espancaram dois homens gays até que caíssem ao chão, e depois ficaram a rir-se triunfantemente uns para os outros. O apresentador foi alertado e avisou a multidão a partir do palco, “Meninas, é melhor terem cuidado. Quando se vestem em grande, isso deixa os rapazes doidos.”, como se isto fosse uma piada inspirada pelo que as vítimas estavam a usar em vez de um ataque direccionado a todas as pessoas naquele evento. O que seria preciso para que aquela multidão confrontasse os seus atacantes?

Depois de James Zappalorti, um homem assumidamente gay, ter sido assassinado a sangue frio na ilha de Staten este Inverno, houve uma única demonstração em protesto. Só vieram cem pessoas. Quando Yusef Hawkins, um jovem negro, foi morto a tiro por estar em “território branco” em Bensonhurst, os afro-americanos marcharam através daquele bairro, uma e outra vez. Uma pessoa negra foi morta por ser negra, e as pessoas negras cidade fora reconheceram-no e agiram quanto a isso. A bala que atingiu Hawkins era destinada a um homem negro, a qualquer homem negro. Será que a maioria dos gays e lésbicas pensam que a faca que rasgou o coração de Zappalorti lhe era destinada exclusivamente a ele?

O mundo hetero convenceu-nos tão bem que somos vítimas impotentes e merecedoras da violência que sofremos, que *s queers ficam imobilizad*s quando se confrontam com uma ameaça. Fiquem enraivecidos! Estes ataques não podem ser tolerados. Façam alguma coisa. Reconheçam que qualquer acto de agressão contra qualquer membro da nossa comunidade é um ataque contra todos os membros da comunidade. Quanto mais permitirmos que os homofóbicos inflinjam violência, terror e medo sobre as nossas vidas, mais frequente e ferozmente seremos o objecto do seu ódio. O teu corpo não pode ser um alvo aberto à violência. O teu corpo é digno de protecção. Tens o direito de o defender. Não importa o que te digam, a tua identidade enquanto queer tem de ser defendida e respeitada. É melhor que aprendas que a tua vida tem um valor incomensurável, porque a não ser que comeces a acreditar nisso, pode facilmente ser-te tirada. Se sabes como gentil e eficientemente imobilizar o teu atacante, então fá-lo. Se não tens essa capacidade, então pensa em arrancar-lhe a merda dos olhos, empurrar o nariz dele para dentro do seu cérebro, cortar-lhe a garganta com uma garrafa partida – faz o que puderes, o que tiveres de fazer, para salvar a tua vida!

8. Porquê Queer?

Queer!

Ah, temos mesmo de usar essa palavra? Significa sarilhos. Todas as pessoas gays têm a sua própria opinião sobre ela. Para algumas, significa estranho e excêntrico e meio misterioso. Não faz mal; nós gostamos disso. Mas algumas raparigas e rapazes gays não gostam. Acham que são mais normais do que estranh*s. E para outr*s, “queer” invoca aquelas memórias horríveis de sofrimento adolescente. Queer. Na melhor das hipóteses, a palavra é forçosamente agridoce e peculiar – na pior das hipóteses, é enfraquecedora e dolorosa. Não podíamos simplesmente usar “gay”? É uma palavra com muito mais brilho. E não é sinónima com “contente”? Quando é que vocês militantes crescem e ultrapassam a mania de serem diferentes?

Porquê Queer...

Bem, sim, “gay” é óptimo. Tem o seu lugar. Mas quando muitas lésbicas e homens gays acordam de manhã, sentimo-nos zangad*s e enojad*s, e não gays. Por isso escolhemos chamar-nos de queers. Usar “queer” é uma maneira de nos lembrarmos de como somos percepcionados pelo resto do mundo. É uma maneira de nos dizer a nós própri*s que não temos de ser pessoas espirituosas ou charmosas que mantêm as suas vidas discretas e marginalizadas no mundo hetero. Utilizamos “queer” enquanto homens gays que amam lésbicas e lésbicas que amam ser queer. Queer, ao contrário de gay, não significa homem.

E quando falando com outros gays e lésbicas, é uma maneira de sugerir que cerremos fileiras e nos esqueçamos (temporariamente) das nossas diferenças individuais, porque nos confrontamos com um inimigo comum muito mais insidioso. Sim, queer pode ser uma palavra dura, mas é também uma arma astuta e irónica que podemos roubar das mãos do homofóbico e usar contra ele.

-- Queer Nation, 1990

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