parte 3 de 4 da tradução de um texto originalmente posto a
circular entre pessoas que marchavam com o contingente ACT UP da
marcha do orgulho gay de Nova Iorque, em Junho de 1990. autoria(s)
anónima(s). texto original aqui
& mais sobre a ACT UP aqui.
6. Onde Estão Vocês, Irmãs?
A Invisibilidade é Responsabilidade Nossa
Uso o meu triângulo rosa em todo o lado. Não baixo a voz em
público quando falo sobre amor ou sexo lésbico. Digo sempre às
pessoas que sou lésbica. Não quero esperar que me perguntem sobre
“o meu namorado”. Não digo que “ninguém tem nada a ver com
isso”.
Não o faço pelas pessoas hetero. A maioria nem sequer sabe o que
é que o triângulo rosa significa. Faço o que faço porque não
quero que as lésbicas assumam que sou uma rapariga hetero. Estou
fora do armário sempre e em todo o lado porque quero chegar até
ti. Talvez repares em mim, talvez comecemos a falar, talvez nos
tornemos amigas. Talvez não digamos nem uma palavra mas os nossos
olhos vão encontrar-se e eu vou imaginar-te nua, a suar, de boca
aberta, de costas arqueadas enquanto eu te fodo. E ficaremos felizes
por sabermos que não somos as únicas no mundo. Ficaremos felizes
por nos termos encontrado uma à outra, sem dizer uma palavra, talvez
apenas por um momento.
Tu não usas o triângulo rosa nessa lapela de linho. Não
confrontas o meu olhar se eu me fizer a ti na rua. Evitas-me no
trabalho porque sou “demasiado” assumida. Reprimes-me nos bares
porque sou “demasiado política”. Ignoras-me em público porque
chamo “demasiada atenção” ao “meu” lesbianismo. Mas depois
queres que eu seja tua amante, queres que seja tua amiga, queres que
te ame, que te apoie, que lute pelo “nosso” direito a
existir.
Onde Estás?
Vocês falam, falam, falam sobre a invisibilidade e depois
retiram-se para as vossas casas para se aninharem com as vossas
amantes ou vão para a farra com as vossas amigas e tropeçam até
casa num táxi ou sentam-se silenciosa e cortesmente enquanto as
vossas famílias, *s voss*s chefes, *s voss*s vizinho e *s
funcionári*s públic*s nos distorcem e disfiguram, nos escarnecem e
punem. Depois, casa outra vez, e apetece-vos gritar. Então acolchoam
a vossa raiva com uma relação ou uma carreira ou uma festa com
outras fufas como vocês e ainda assim perguntam-se porque é que não
nos conseguimos encontrar umas às outras e porque é que vocês se
sentem sós, zangadas, alienadas.
Levantem-se, Acordem, Irmãs!!
A tua vida está nas tuas mãos.
Quando arrisco tudo ao assumir-me, arrisco-o por ambas. Quando
arrisco tudo e funciona (e funciona frequentemente, devias tentar),
eu beneficio e tu também. Quando não funciona, eu sofro e tu não.
Mas miúda, não podes ficar à espera que outras fufas tornem o
mundo seguro para ti. Pára de esperar por um mundo melhor e mais
lésbico! A revolução podia ser hoje, se nós a começássemos.Onde estão, irmãs? Estou a tentar encontrar-vos, estou a tentar
encontrar-vos. Porque é que só vos vejo no dia da marcha do
orgulho?
Nós estamos fora do armário. Onde que raio estão vocês?
7. [Sem-título]
Quando alguém te ataca por seres queer, é um ataque
anti-queer. Certo?
Um grupo de 50 pessoas sai de um bar gay conforme ele fecha. Do
outro lado da rua, alguns rapazes hetero estão a gritar
“Paneleiros!” e a atirar garrafas de cerveja ao grupo, que é
maior que eles numa proporção de 10 para 1. Três queers começam a
reagir, sem qualquer apoio por parte do grupo. Porque é que um grupo
deste tamanho se permitiu ser um alvo fácil?
Parque da praça Tompkins, Dia do Trabalhador. Num
concerto/espectáculo de drag anual ao ar vivo, um grupo de homens
gays foram assediados por adolescentes com paus. No meio de milhares
de homens gays e lésbicas, estes rapazes hetero espancaram dois
homens gays até que caíssem ao chão, e depois ficaram a rir-se
triunfantemente uns para os outros. O apresentador foi alertado e
avisou a multidão a partir do palco, “Meninas, é melhor terem
cuidado. Quando se vestem em grande, isso deixa os rapazes doidos.”,
como se isto fosse uma piada inspirada pelo que as vítimas estavam a
usar em vez de um ataque direccionado a todas as pessoas naquele
evento. O que seria preciso para que aquela multidão confrontasse os
seus atacantes?
Depois de James Zappalorti, um homem assumidamente gay, ter sido
assassinado a sangue frio na ilha de Staten este Inverno, houve uma
única demonstração em protesto. Só vieram cem pessoas. Quando
Yusef Hawkins, um jovem negro, foi morto a tiro por estar em
“território branco” em Bensonhurst, os afro-americanos marcharam
através daquele bairro, uma e outra vez. Uma pessoa negra foi morta
por ser negra, e as pessoas negras cidade fora reconheceram-no
e agiram quanto a isso. A bala que atingiu Hawkins era destinada a um
homem negro, a qualquer homem negro. Será que a maioria dos
gays e lésbicas pensam que a faca que rasgou o coração de
Zappalorti lhe era destinada exclusivamente a ele?
O mundo hetero convenceu-nos tão bem que somos vítimas
impotentes e merecedoras da violência que sofremos, que *s queers
ficam imobilizad*s quando se confrontam com uma ameaça. Fiquem
enraivecidos! Estes ataques não podem ser tolerados. Façam
alguma coisa. Reconheçam que qualquer acto de agressão contra
qualquer membro da nossa comunidade é um ataque contra todos os
membros da comunidade. Quanto mais permitirmos que os homofóbicos
inflinjam violência, terror e medo sobre as nossas vidas, mais
frequente e ferozmente seremos o objecto do seu ódio. O teu corpo
não pode ser um alvo aberto à violência. O teu corpo é digno de
protecção. Tens o direito de o defender. Não importa o que te
digam, a tua identidade enquanto queer tem de ser defendida e
respeitada. É melhor que aprendas que a tua vida tem um valor
incomensurável, porque a não ser que comeces a acreditar nisso,
pode facilmente ser-te tirada. Se sabes como gentil e eficientemente
imobilizar o teu atacante, então fá-lo. Se não tens essa
capacidade, então pensa em arrancar-lhe a merda dos olhos, empurrar
o nariz dele para dentro do seu cérebro, cortar-lhe a garganta com
uma garrafa partida – faz o que puderes, o que tiveres de fazer,
para salvar a tua vida!
8. Porquê Queer?
Queer!
Ah, temos mesmo de usar essa palavra? Significa sarilhos. Todas as
pessoas gays têm a sua própria opinião sobre ela. Para algumas,
significa estranho e excêntrico e meio misterioso. Não faz mal; nós
gostamos disso. Mas algumas raparigas e rapazes gays não gostam.
Acham que são mais normais do que estranh*s. E para outr*s, “queer”
invoca aquelas memórias horríveis de sofrimento adolescente. Queer.
Na melhor das hipóteses, a palavra é forçosamente agridoce e
peculiar – na pior das hipóteses, é enfraquecedora e dolorosa.
Não podíamos simplesmente usar “gay”? É uma palavra com muito
mais brilho. E não é sinónima com “contente”? Quando é que
vocês militantes crescem e ultrapassam a mania de serem diferentes?
Porquê Queer...
Bem, sim, “gay” é óptimo. Tem o seu lugar. Mas quando muitas
lésbicas e homens gays acordam de manhã, sentimo-nos zangad*s e
enojad*s, e não gays. Por isso escolhemos chamar-nos de queers. Usar
“queer” é uma maneira de nos lembrarmos de como somos
percepcionados pelo resto do mundo. É uma maneira de nos dizer a nós
própri*s que não temos de ser pessoas espirituosas ou charmosas que
mantêm as suas vidas discretas e marginalizadas no mundo hetero.
Utilizamos “queer” enquanto homens gays que amam lésbicas e
lésbicas que amam ser queer. Queer, ao contrário de gay, não
significa homem.
E quando falando com outros gays e lésbicas, é uma maneira de
sugerir que cerremos fileiras e nos esqueçamos (temporariamente) das
nossas diferenças individuais, porque nos confrontamos com um
inimigo comum muito mais insidioso. Sim, queer pode ser uma
palavra dura, mas é também uma arma astuta e irónica que podemos
roubar das mãos do homofóbico e usar contra ele.
-- Queer Nation, 1990
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